Henry L. Mencken ("O Livro dos Insultos") - 1918
As companheiras do homem, mesmo que mostrem respeito por seus méritos ou autoridade, sempre o vêem secretamente como um jumento, e com uma sensação próxima da piedade. O que ele diz ou faz, por mais brilhante, raramente as engana; elas vêem o homem como ele é por dentro e o consideram um sujeito oco e patético. Neste fato, talvez resida uma das melhores provas da inteligência feminina ou, como diz o lugar-comum, da intuição feminina. As características desta assim chamada intuição são simplesmente uma aguda e acurada percepção da realidade, uma imunidade natural ao encantamento emocional e uma incansável capacidade para distinguir claramente entre a aparência e a substância. A aparência do homem, no círculo familiar comum, é a de um magnífico herói, um semideus. A substância é a de um pobre coitado.
Ê verdade que uma esposa costuma invejar seu marido em algumas de suas mais sinceras prerrogativas e sentimentalismos. Ela pode invejar sua masculina liberdade de movimentos e ocupações, sua impenetrável complacência, seu deleite caipira em pequenos vícios, sua capacidade para esconder a dura face da realidade numa capa de romantismo, sua inocência e infantilidade generalizadas. Mas ela nunca lhe inveja sua alma vulgar e pretensiosa.
Esta cortante percepção da fanfarronice e do faz-de-conta masculino, esta aguda compreensão do homem como o eterno tragicômico, estão na base daquela piedosa ironia que responde pelo nome de instinto maternal. As mulheres adoram tratar um homem como um filho porque conseguem enxergar sua incapacidade de defesa, sua necessidade de um ambiente acolhedor e sua tocante tendência a se iludir. Este traço irônico não é apenas claro como água na vida real, diariamente; é também o que dá o tom da literatura feminina. Uma romancista, se for competente o bastante para ser levada a sério, nunca trata os homens como heróis. Dos tempos de Jane Austen aos de Selma Lagerlõf, ela sempre injeta em seu próprio personagem um toque de superioridade ou de derrisão mal camufladas. Não consigo me lembrar de nenhum personagem masculino criado por uma mulher que não seja, no fundo, um palerma.
O fato de ainda ser necessário, neste último estágio da senilidade humana, provar que as mulheres têm uma' fina e fluente inteligência, é uma prova eloqüente dos incuráveis preconceitos, da observação deficiente e da patetice completa de seus amos e senhores. As mulheres, na realidade, não são apenas inteligentes; também detêm quase um monopólio das formas mais sutis e úteis de inteligência. A coisa em si poderia ser razoavelmente descrita como um traço feminino especial; em mais de uma de suas manifestações existe uma feminilidade mais palpável do que a feminilidade da crueldade, do masoquismo e até do rouge em seu rosto.
Os homens são fortes. São bravos em combate físico. Os homens são românticos e amam aquilo que concebem como sendo a beleza e a virtude. Os homens tendem à fé, à caridade e à esperança. Os homens sabem suar e carregar seus fardo's. Os homens são ternos e cordiais. Mas, assim que demonstram possuir os verdadeiros fundamentos da inteligência - ou revelam capacidade para descobrir o cerne da verdade eterna no lusco-fusco da ilusão e da alucinação e tentam trazê-la à luz - , neste ponto estarão sendo femininos, e ainda nutridos pelo leite de suas mães. Os traços e qualidades essenciais do homem, suas características ainda não poluídas. são as mesmas do homem das cavernas. O homem das cavernas limitava-se a músculos e a um cérebro de mingau. Sem uma mulher para conduzi-lo e pensar por ele, seria um espetáculo mais que lamentável: um bebê de barbas, um coelho na forma de um mamute. uma frágil e absurda caricatura de Deus.
Evidentemente, não quero dizer que a masculinidade não contribuiu para o complexo de reações químico-fisiológicas que produz o que chamamos de certas aptidões. O que quero dizer é que este complexo é impossível sem a contribuição feminina, ou seja. que ele é um produto da interação entre os
dois elementos. Nas mulheres de talento podemos ver o quadro oposto. Há alguma coisa de masculino nelas, que as faz tanto se barbear quanto brilhar. Pense em George Sand, Catarina, a Grande, Elizabeth da Inglaterra, Rosa Bonheur, Teresa Carrefío ou Cosima Wagner. Nenhum dos dois sexos,
sem alguma fertilização das características complementares do outro, é capaz de atingir os picos da criatividade humana. O homem, sem o toque salvador da mulher que existe nele, é parvo, ingênuo e romântico demais, fácil de enganar e anes tesiado em sua imaginação, o que não lhe permite ser mais do que um oficial de cavalaria, um teólogo ou um gerente de
banco. E a mulher, sem qualquer traço daquela divina inocência masculina, seria rígida demais para aqueles vastos jatos de fantasia que se projetam no coração do que chama mos de gênios. Ao homem exclusivamente masculino falta a graça necessária para dar forma objetiva aos seus sonhos mais
sublimes e secretos; e a mulher exclusivamente feminina torna se uma criatura cínica demais para ter o poder de sonhar.
O que os homens, em seu egoísmo, confundem constantemente com uma deficiência de inteligência na mulher, é apenas a incapacidade dela para dominar aquele complexo de conhecimentos mesquinhos ou aquela coleção de trivialidades cerebrais que constituem o principal equipamento mental do homem médio. Um homem pode pensar que é mais inteligente do que sua mulher porque é capaz de somar com menor margem de erro, porque se julga capaz de distinguir entre as idéias de políticos rivais ou porque julga-se íntimo das minúcias de algum negócio ou profissão sórdidos ou degradantes. Mas esses talentos vazios não constituem realmente sinais de inteligência; são, na verdade, apenas uma minienciclopédia de truques e tramóias, cujo prendizado exige pouco mais de seus poderes mentais do que se exige de um chimpanzé para aprender a recolher uma moeda ou acender um fósforo.
Toda a bagagem mental do empresário médio, ou mesmo do profissional médio, é desordenadamente infantil. Não se exige mais sagacidade para se levar adiante a condução diária do mundo ou despejar as doses habituais de burrice em nome da medicina e do direito, do que a de dirigir um táxi ou pôr
um peixe para fritar. Nenhuma pessoa observadora conversa cinco minutos com a maioria dos empresários e dos profissionais - limito-me aqui àqueles que deram certo e excluo os fracassados confessos - sem deixar de se maravilhar pela sua letargia intelectual, sua incurável ingenuidade ou sua fantástica falta de bom senso. O falecido Charles Francis Adams, neto de um presidente americano e bisneto de outro, depois de toda uma vida em íntimo contato com alguns dos principais gênios dos negócios na América, relatou, já idoso, que nunca ouviu nenhum deles dizer qualquer coisa que valesse a pena ser ouvida. Todos eram homens vigorosos e masculinos, o que os tornava bem-sucedidos nu'm mundo masculino. Intelectual mente, eram cartuchos de pólvora seca.
Mas há um terreno fértil para perguntar se, se aqueles homens fossem inteligentes, chegariam a ser tão bem-sucedidos em suas grosseiras empreitadas - e responder dizendo que a prova de suas mentalidades inferiores é exatamente a de terem conquistado e mantido com um simples lengalenga a sua pilha de bilhões. Esta idéia é facilmente provada pela
conhecida incapacidade de homens inegavelmente de primeira classe diante de preocupações práticas e banais. É impossível imaginar, por exemplo, Aristóteles conseguindo multiplicar 3472 701 por 99999 sem cometer um erro, interessando-se pelo número de cavalos num automóvel ou pelo preço das
geladeiras numa liquidação. Pelo mesmo motivo, ninguém pensaria em Aristóteles tornando-se um expert em bridge, golfe e outros jogos idiotas, com os quais os supostos homens bem-sucedidos se divertem entre si. Em seu grande estudo sobre a maneira de ser dos britânicos, Havelock Ellis descobriu que a incapacidade para praticar certas façanhas é visível
em quase todos os homens de primeira classe. Por exemplo, não sabem dar nós em gravatas. Confundem-se ao pôr suas contas em dia. Não entendem nada de política partidária. Em suma, são inertes e impotentes em todos os setores de desempenho nos quais o homem médio atinge suas mais altas performances. Esses homens de primeira classe são facilmente ultrapassados por outros cuja real inteligência está tão abaixo da deles quanto a dos Simidae .
Esta falta de aptidão para truques mentais ou de caráter trivial - que deve parecer a um barbeiro uma estupidez e a um caixa de banco uma imbecilidade completa - é um traço que os homens de primeira ciasse partilham com as mulheres de primeira, segunda e até de terceira classes. Raramente se ouve falar de mulheres que se deram bem em ocupações nas
quais poderiam brilhar - por exemplo, afinar pianos, tornar-se advogadas ou escrever editoriais de jornais - , embora a grande maioria de tais ocupações esteja perfeitamente dentro dos seus poderes físicos e poucas delas imponham grandes barreiras sociais a que as mulheres as desempenhem. Não há nenhuma razão externa para que elas não possam se impor nos tribunais, nas redações de revistas, como gerentes de fábricas e hotéis, e mesmo no comércio atacadista. Os tabus que encontram pelo caminho são míseros; várias mulheres aventurosas desafiaram-nos com destemor e, assim que arrombaram a porta, não se viram absolutamente em desvantagem. Mas, como todo mundo sabe, o número de mulheres no ramo dos negócios ou na prática de tais profissões ainda é muito pequeno, e menor ainda o daquelas que atingiram alguma distinção na competição com os homens.
A causa disto, portanto, não é externa, mas interna. Reside na capacidade da mulher para aprender realidades mais amplas, na sua impaciência para o que considera reles e meretrício, enfim, numa desqualificação para a rotina mecânica e as técnicas vazias que se encontram em todas as variedades de homens. Até naqueles objetivos que os costumes da Cristandade lhes conferiram, as mulheres raramente mostram aquela proficiência semi-automática e convencional de que os homens se orgulham e se gabam. Ê um clichê observar que as donas-de-casa que realmente sabem cozinhar, costurar suas próprias roupas, ou são competentes para instruir seus filhos em matérias de moral, aprendizado e higiene, sabem também como esconder tudo isto. Mas as mulheres que sabem fazer
tudo isto são raras e, quando se conhece uma, ela não se torna muito admirada por sua inteligência em conhecimentos gerais.
Isto é particularmente comum nos Estados Unidos, onde a posição da mulher é mais alta do que em qualquer outro país civilizado ou semicivilizado, e onde a velha convicção de sua inferioridade intelectual vem sendo desafiada com sucesso. A mesa de jantar do americano burguês tornou-se um problema para a técnica deficiente da esposa americana. Ao
convidado que respeita seu esôfago, instado a digerir aquela gororoba discordante e malfeita, aconselha-se que evite esta experiência todas as vezes que puder - ou então que se resigne àquilo, como alguém que se resigna a ser barbeado por um paralítico. Em nenhum outro lugar do mundo as mulheres têm mais liberdade e tempo de lazer para expandir suas mentes do que nos Estados Unidos, e em nenhum outro demonstram tal nível de inteligência - mas, ao mesmo tempo, em nenhum outro lugar serve-se uma comida caseira tão ruim, uma administração tão inepta da economia doméstica ou uma maior dependência de substitutos externos (que têm o homem como provedor). Certamente não será coincidência que a terra das mulheres emancipadas e entronizadas seja também a terra da comida enlatada: sopas, carne de porco, feijão, às vezes refeições inteiras em lata, e tudo pronto para servir. E em nenhum outro lugar há uma tendência mais chocante para se
despejar a educação das crianças nas mãos de pedagogos e seu condicionamento físico a experts em playgrounds, além de sexólogos e outros tipos de profissionais, quase todos blefes.
Em resumo, as mulheres se rebelam - muitas vezes inconscientemente ou se submetendo de vez em quando contra os truques burros e mecânicos que a atual organização da sociedade impõe à sua inteligência. Se elas gostassem e se orgulhassem desses truques, estariam tão de quatro quanto os homens que se contentam em ser garçons, contadores, caçadores de gazeteiros ou batedores de tapetes - e orgulhosas disto. A tendência inerente a qualquer mulher sobre tudo que lhe parece estúpido é a de fugir a qualquer obrigação e, se isto lhe for impossível, reduzir suas obrigações ao mínimo. E quando algum imprevisto a isenta, temporária ou permanentemente, da tentação ao casamento, e ela entra em competição com os homens na condução dos negócios mundiais, a espécie de carreira em que ela se dispõe a batalhar fornece ainda mais provas de sua superioridade mental.
Exemplos? Em qualquer atividade que não exija mais do que uma técnica invariável ou um pouco de esperteza, ela normalmente fracassa; em qualquer outra que exija talento criativo e um pensamento independente, a mulher normalmente se dá bem. Ê por isto que ela geralmente é um fiasco como advogada, porque a advocacia exige apenas um arsenal de frases ocas e fórmulas estereotipadas, além de um torpor mental que põe estes fantasmas acima do bom senso, da verdade e da justiça. Ê também um fiasco nos negócios porque estes, quase como regra, não passam de um composto tão fedorento de trivialidades e velhacarias que causam revolta à sua integridade intelectual. Mas ela é geralmente competente como enfermeira, uma profissão que requer engenhosidade, raciocínio rápido, coragem diante de situações desconhecidas e desconcertantes, e, acima de tudo, capacidade para penetrar e dominar seu caráter. Quando ela entra em competição com os homens no mundo das artes, particularmente naqueles planos secundários em que a simples esperteza mental ainda não recebeu o estalo do gênio, ela invariavelmente é capaz de empatar. No demi-monde, qualquer um encontrará nesta mulher argúcia, ousadia e elasticidade suficientes diante de dificuldades especiais - enfim, qualidades capazes de tornar vergonhoso o equipamento exigido por profissões exclusivamente masculinas. Se o trabalho do homem médio exigisse metade da agilidade mental e criatividade do trabalho da proprietária de um bordel comum, este homem médio estaria sempre a um milímetro de passar fome.
Os homens, como se sabe, não acreditam na inteligência superior das mulheres; seu egoísmo exige esta descrença, e eles não são capazes de refletir o suficiente para mudar de idéia, mesmo diante de análises lógicas e de provas. Mais ainda, há uma certa aparência capciosa de certeza em suas
posições; eles forçaram as mulheres a adotar uma personalidade artificial que esconda bem a verdadeira personalidade delas, e as mulheres acharam proveitoso estimular esta mentira. Mas, embora qualquer homem normal nutra esta balela de que é intelectualmente superiora todas as mulheres e, em
particular à sua esposa, constantemente entrega os pontos de sua pretensão consultando-a e dependendo daquilo que ele chama de intuição feminina. Quer dizer, ele sabe por experiência que o juízo dela em assuntos de importância capital é mais sutil e penetrante que o dele - mas, relutante em creditar essa maior sagacidade a uma inteligência mais competente, ele se refugia na doutrina de que, nela, isto se deve a algum talento impenetrável e intangível para avaliar correta mente; uma espécie de sensibilidade meio mística ou um vago instinto, em essência, infra-humanos.
A verdadeira natureza deste suposto instinto, entretanto, se revela por um exame das situações que inspiram o homem a pedir ajuda à mulher. Estas situações não brotam dos problemas puramente técnicos que formam as suas preocupações do dia-a-dia. mas de problemas mais raros, fundamentais e difíceis, que o atormentam apenas de tempos em tempos e a intervalos irregulares, insistindo em testar, não a sua mera capacidade para espremer o crânio, mas a sua legítima capacidade de raciocínio. Nenhum homem. exceto aquele conscientemente inferior ou calça-curta, consultaria sua mulher sobre a contratação de um empregado, se deve emprestar dinheiro a
um caloteiro ou sobre qualquer outro assunto rotineiro ou de mau gosto. Mas nem mesmo o mais egoísta dos homens deixaria de consultá-la a respeito de admitir um sócio em sua empresa, se deve entrar para a vida pública ou sobre o casamento de sua filha. Tais coisas são de gigantesca importância;
são elas que fundam o bem-estar, exigem do homem a sua melhor cabeça para confrontá-las, e os perigos ocultos numa decisão errada superam até a sua vaidade. E em tais situações que a superior garra mental das mulheres é de óbvia utilidade, e tem de ser admitida. E então que elas superam seus insigni ficantes sentimentalismos, superstições e fórmulas que lhes
foram inculcadas pelo homem, e aplicam ao caso o seu singular talento para separar a aparência da substância, e então exercem o que se considera sua intuição.
Intuição? Uma oval As mulheres são as supremas realistas da espécie. Aparentemente ilógicas, elas detêm uma super lógica rara e sutil. Aparentemente desligadas, agarram-se à verdade com uma tenacidade que resiste a cada fase das incessantes e gelatinosas mudanças de forma desta verdade. Aparentemente pouco observadoras e fáceis de tapear, elas enxergam tudo, com olhos brilhantes e demoníacos. Também em alguns homens esta implacável perspicácia se revela - homens tidos como distantes ou menos inflamáveis do que a maioria -, homens cínicos, sardônicos e com um talento especial para a lógica. Algumas vezes os homens também têm cabeça. Mas este será um homem raro, muito raro, que consegue manter uma inteligência estável, capaz de juízos constantemente sólidos e que não se deixa levar pelas aparências.
Como, digamos, uma mulher multípara média de 48
anos.
-1918
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